domingo, 14 de outubro de 2007

O que mais eu posso querer?

Meu nome é Ana e eu tenho 17 anos. Moro aqui mesmo no Brasil. Meus pais morreram quando eu tinha 13 anos. Junto com eles, meus dois irmãozinhos Hugo e Fúvio. Dizem que eles morreram por que estavam roubando uma velhinha na esquina. Mais eu vi tudo. Minha mãe tinha acabado de sair na rua, quando ela viu que uma velhinha tinha deixado uma nota de 50 reais cair no chão. Minha mãe pegou a nota como se fosse uma criança quando recebe seu primeiro brinquedo. Seus olhos brilhavam de tanta emoção a segurar aquela nota. Mas minha mãe prefiriu devolver a nota para a velhinha. Ao cutucá-la, olhou para ela, e a velha apavorada começou a gritat pela rua. Minha mãe ficou sem reação. Nem teve tempo de se explicar. Antes que começasse a falar, levou 2 tiros na barriga e 1 na cabeça. Esses 2 tiros na barriga, que mataram meus irmãos.
Pois é. Ela estava grávida de gêmeos, e eles nasceriam no dia 25 de dezembro.
Minha mãe dizia que eles seriam abençoados por nascerem no dia de Jesus. Bom eu não acredito que Jesus tenha mesmo nascido dia 25 de dezembro. Mas era tão bom ver a minha feliz nesse dia! Lembro como se fosse hoje. Ela acordava cedinho, me acordava, e iamos para a feira. Ficavamos lá na barraca das flores, esperando alguém comprá-las. O que eu mais gostava de fazer era ficar lá, olhando aquelas flores e ficava fantasiando como seria se um dia eu ganhasse uma daquelas. Uma vez, um jovem veio comprar flores. O nome dele era Enzo. Sei por que ele conversava comigo sabe?
Sempre comprava aquelas rosas roxas para a namorada. Ele era italiano e estava lá só de passagem. O que mais me impressionava era o sotaque dele. Ele até tentava me ensinar alguma coisa. Minha mãe sempre falava pra eu me colocar no meu lugar de vendedora de flores e dizia que eu nunca iria chegar aos pés da namorada dele.
Bom, hoje eu nem sei mais dele. Meu pai morreu de solidão. Depois que minha mãe foi embora, meu pai começou a beber, não trabalhava mais, começou a ficar agressivo. Todas as noites de sábado, eu ia buscá-lo na sargeta de um bar. Até que uma noite, eu vi ele apanhando de uns caras. Fiquei ali escondida. Deu para ouvir um pouco da conversa. Um homem que batia nele, dizia que ele estava mexendo com a pessoa errada, e que aquela mulher já tinha dono. Não entendi muito bem, mais só sei que depois do último soco, ele não levantou mais. Ficou lá, caído, derrotado. Meu pai dizia que eu não era um ser humano. Só aprendi a ler por que minha tia me ensinou. Escrever também. Hoje as coisas são mais difíceis. Moro com minhas 2 irmãs Carolina e Camila. Elas tem 9 e 7 anos. Meus pais deixaram de presente pra eu cuidar. Um dia queria mudar de vida. Queria ser alguém. Um ser humano. Acho que vivemos em um mundo de completa desigualdade. Posso ver isso com o Enzo. Enquanto eu dou duro para trabalhar, ele tem o que quer de mão beijada. Bom essa é a minha vida.
O que mais eu posso querer?